terça-feira, 27 de julho de 2010

As estratégias de exercícios para eles e para elas

Novos estudos que valorizam as diferenças de gênero estão mudando o jeito como homens e mulheres praticam atividades
Cilene Pereira, Mônica Tarantino e Rachel Costa

Um estudo divulgado na última edição da publicação “Circulation”, jornal da Associação Americana do Coração, confirmou uma percepção que os especialistas em medicina do esporte alimentavam há alguns anos: a estratégia para a realização de exercícios físicos de homens e
mulheres não pode ser a mesma. Realizado pelo Departamento de Cardiologia e Medicina Preventiva da Northwestern University, de Chicago, o trabalho afirma que o índice de frequência cardíaca máxima, usado para nortear a prática esportiva, precisa ser diferenciado para as mulheres. Hoje tem-se como referência para ambos os sexos a seguinte equação: 220 menos a idade. O resultado dessa conta é usado para calcular a frequência cardíaca na qual o indivíduo deve realizar o seu treino – entre 50% e 80% de sua capacidade máxima.

De acordo com os cientistas americanos, para as mulheres essa conta deve obedecer uma regra um pouco mais complexa: 206 menos 88% da idade, o que resultará em um número menor em relação ao obtido com a fórmula antiga. Embora a diferença pareça pequena, ela é preciosa, pois quando a atividade física é realizada acima da taxa adequada o coração trabalha mais do que poderia. E isso, definitivamente, não é bom. “Nessas condições, o músculo produz ácido lático, fazendo com que surja a sensação de fadiga”, diz a cardiologista Isa Bragança, do Rio de Janeiro. “Além disso, a sobrecarga ameaça o coração”, diz o médico Rogério Neves, do centro SportsLab, em São Paulo.

Aliás, foi a observação de que muitas mulheres passavam a apresentar problemas cardíacos após iniciarem-se na prática de exercícios que levou a cardiologista Martha Gulati, autora do trabalho que originou a nova fórmula, a pesquisar o assunto. “Sempre recomendei a realização de
atividades físicas”, contou à ISTOÉ. “Mas comecei a receber pacientes com dificuldades cardíacas resultantes de exageros nos treinos”, disse. Depois de muito investigar, ela descobriu que o problema estava em se exercitar em uma frequência cardíaca imprópria para o sexo feminino.

Médicos, responsáveis por academias e treinadores de esporte agora discutem como adotar a nova medição. No Brasil, as academias correram para se adaptar. “Para as mulheres que chegam agora, já estamos fazendo o cálculo novo”, conta Eduardo Neto, diretor técnico das redes de academia A! Body Tech e Fórmula. Nos Estados Unidos, Martha prepara um aplicativo para iPhone e internet.

A verdade é que mudanças como essas começam a alterar o panorama da atividade física – das academias aos treinos de atletas de alta performance. O objetivo dessa nova maneira de olhar a prática de exercícios é respeitar as diferenças físicas e emocionais entre homens e mulheres com a finalidade de melhorar, em ambos os gêneros, o desempenho e a capacidade de recuperação do organismo após o treino.

Até pouco tempo atrás, acreditava-se que as respostas de um e de outro à prática da atividade física não tinham tanta diferença. Essa ideia pode ser vista, por exemplo, no futebol, no qual as mulheres competem em um campo com as mesmas dimensões usadas para os homens, com traves com a mesma altura e bola com o mesmo peso – ainda que se saiba que a estatura média feminina é menor e que elas têm menos força física. “Buscar adaptações para a mulher não quer dizer que ela não possa praticar determinada modalidade”, afirma Timóteo Araújo, do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física, de São Caetano do Sul. “É uma forma de garantir a elas mais segurança e desempenho melhor”, diz.

Mas, para que isso seja possível, é preciso, primeiro, identificar as diferenças. E é a esta tarefa que centenas de pesquisadores estão se dedicando. Trata-se de um esforço recente, motivado pelo fato de as mulheres só terem entrado para valer no mundo dos esportes há poucas décadas. “Historicamente, a prática de exercícios físicos pelas mulheres é um fato novo. Antes, apenas os
homens competiam e se exercitavam”, lembra Raul Santo, do Centro de Medicina Esportiva da Universidade Federal de São Paulo.

Isso explica por que, até hoje, a maioria dos parâmetros usados para balizar a atividade física toma como referência o homem. Porém, o que está se descobrindo é que é preciso realmente separar as coisas, como fizeram os cientistas que criaram a fórmula de frequência cardíaca máxima
para mulheres. Outras linhas de investigação chegam à mesma conclusão. David Rowland, da Universidade Massey, na Nova Zelândia, por exemplo, descobriu que a reposição de proteínas após os treinos pode não ser tão eficiente para elas. Em 2008, ele avaliou ciclistas do sexo masculino para investigar qual seria a melhor nutrição depois do exercício. Observou um ganho
de desempenho em torno de 4% naqueles que consumiram só proteínas depois do esforço. O nutriente ajuda a absorção dos carboidratos e é indispensável para reparar as lesões musculares após o exercício árduo. Entretanto, em maio deste ano, um estudo publicado na revista “Medicine and Science in Sport and Exercise” mostrou que o organismo feminino reage de modo diferente. “Fiz nova avaliação porque recebi uma solicitação de ciclistas do sexo feminino. O resultado foi surpreendente”, disse Rowland à ISTOÉ. Ele constatou que as mulheres que consumiram apenas proteínas após o esporte sentiram suas pernas mais cansadas do que as que receberam carboidratos.

O mesmo fato pode se dar com a estratégia de carbo-loading, a ingestão de boas quantidades de carboidrato nos dias que antecedem uma competição. A lógica é oferecer ao corpo uma grande reserva de combustível – o nutriente é o maior fornecedor de energia do organismo – para que ele tenha ótimo desempenho na prova. Mas o que a ciência está demonstrando é que o plano funciona bem para eles. Para elas, nem tanto. “As mulheres parecem não se beneficiar dessa estratégia”, disse à ISTOÉ Mark Tarnopolsky, da McMaster University Medical Center, do Canadá, um dos maiores estudiosos do assunto do mundo.

Nas competições, quadras e academias, enquanto não houver um estudo conclusivo, prevalece a reposição equilibrada de carboidratos e proteínas antes e depois do esporte. De modo geral, elas precisam comer menos e treinar mais. “E os homens necessitam ingerir cerca de 30% mais proteínas do que as mulheres para regenerar a musculatura”, diz a nutricionista Suzana Bonumá, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para
planejar os aportes necessários de nutrientes com a finalidade de garantir energia sem aumentar o peso, os nutricionistas consideram também o tipo de modalidade praticada. “Se for uma prova de resistência, como a corrida, o homem precisa de
mais carboidratos. Eles também transpiram mais e devem ingerir cerca de 15% mais água”, diz a nutricionista Tânia Rodrigues dos Santos, da RG Consultoria Nutricional.

A raiz de grande parte das diferenças está nos hormônios. Eles são regidos pela testosterona, o
hormônio que determina as características masculinas. Elas, pelo estrogênio, responsável pelas marcas femininas. A ação dessas substâncias influencia diretamente na sua composição celular. A testosterona determina que, durante sua diferenciação, as células se tornem músculos. Já o estrogênio as transforma em tecido adiposo. “Como resultado, a mulher tem 10% mais gordura”, explica Mauro Guiselini, diretor do Instituto Runner.

Há uma explicação evolutiva para essas características. “A quantidade maior de músculos
servia para ajudar o homem a enfrentar as ameaças de ambientes hostis e situações nas quais necessitava lançar mão da força”, diz a endocrinologista Ruth Clapauch, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Já a presença de maiores reservas de gordura no organismo da mulher, decorrentes da ação do estrógeno, é uma garantia de que, durante a gravidez, mãe e filho tenham estoques suficientes de energia para sobreviver até em circunstâncias de escassez de
alimento.

O conjunto das informações reunido até agora está levando a novos comportamentos. Antes, as oscilações de humor durante a fase pré-menstrual nem sequer eram consideradas pelos professores. “Hoje sabemos que a mulher requer uma atenção diferenciada nesse período”, diz Edmilson Kawanaka, da academia Competition, em São Paulo. Isso se repete em várias modalidades. Viviane Matero, educadora física e professora do Projeto Mulher, em São Paulo, também reduz a intensidade do treino das suas corredoras no período menstrual. “Elas ficam menos dispostas”, diz. Por outro lado, Viviane observa que a mulher tem mais estabilidade emocional para provas que exigem resistência. “Elas reclamam menos e aguentam fazer força por mais tempo”, afirma a treinadora.

Também foi derrubado de vez o preconceito de que musculação não serve para mulher e de que exercícios aeróbicos não precisariam ser feitos com tanta vontade pelos homens. “Mais massa muscular, para a mulher, garante que seu organismo consuma maior quantidade de calorias, o que ajuda a emagrecer”, explica Saturno de Souza, coordenador técnico da rede de academias Bio Ritmo. Para eles, os exercícios aeróbicos reduzem os riscos cardíacos a que estão normalmente mais expostos do que as mulheres – lembrando, é claro, que essa atividade também contribui para a saúde
cardiovascular feminina.

Já se sabe ainda que, se a musculatura do tronco e da região abdominal costuma responder bem aos exercícios feitos pelos dois sexos, a dos braços responde melhor nos homens. Por isso, passou-se a dar mais atenção aos exercícios dirigidos aos braços das mulheres para que elas também consigam resultados. Junto a essas mudanças, está ainda o respeito ao limite de cada um. “De uma maneira geral, as mulheres têm uma capacidade de rendimento equivalente a 85% do homem”, lembra Nélio Moura, treinador da medalhista brasileira Maurren Maggi e com experiência no treinamento de homens e mulheres. “Essas diferenças são levadas em consideração quando é dada a progressão de cargas e volume de treinos”, afirma Eduardo Mourelle, do projeto Espaço Stella Torreão, do Rio de Janeiro. Maurren segue essa cartilha à risca. “Treino dentro dos meus limites, sem ultrapassá-los para evitar lesões”, diz a campeã.

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Reportagem extraída da Revista Isto É | N° Edição: 2122 | 09.Jul - 18:00 | Atualizado em 27.Jul.10 - 18:10 | http://www.istoe.com.br/reportagens/86977_AS+ESTRATEGIAS+DE+EXERCICIOS+PARA+ELES+E+PARA+ELAS+PARTE+1

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